Quiet ambition, um movimento corporativo que prioriza o bem-estar

Trabalhar, mas nem tanto: a escalada profissional a qualquer custo sai de cena para dar lugar ao bem-estar e à realização interior. Conheça a chamada quiet ambition O post Quiet ambition, um movimento corporativo que prioriza o bem-estar apareceu primeiro em Vida Simples.

Quiet ambition, um movimento corporativo que prioriza o bem-estar

O filósofo francês Albert Camus (1913-1960) não saiu da minha mente até que o incluísse na introdução deste texto.

Um dos grandes pensa­dores existencialistas do século 20, ele dedicou sua obra, incluindo o livro O Mito de Sísifo, à defesa da ética da solidariedade e da compai­xão como uma resposta existencial à condição humana compartilhada.

Em vez de fomentar ambientes de competição, deveríamos nos unir em busca do bem comum, propunha Camus. Infelizmente, o pensamento dele jamais in­fluenciou as práticas corporativas.

Tampouco impediu que eu e muitas pessoas ao meu re­dor fôssemos ensinados, desde cedo, a reco­nhecer o prestígio, a riqueza e o poder como sinais de sucesso.

Como resultado, o que se vê hoje é a consolidação de um mercado de trabalho que não só cobra como celebra a competição entre os trabalhadores, pressio­nados a perseguir uma excelência inalcançá­vel.

Tudo isso, claro, impulsionado pelo capi­talismo sem freios, pelo avanço tecnológico e pela crescente complexidade dos mercados. Acontece que a pressão por desempenho, a insegurança no emprego e o desequilíbrio en­tre vida profissional e pessoal criam um ambiente propício para o estresse, a ansiedade e a depressão.

O que é a quiet ambition?

Não é de estranhar, portan­to, que esteja ganhando força a expressão em inglês, já considerada um movimento: a quiet ambition (ambição silenciosa). Ou seja, profissionais – especialmente a Geração Z – que rejeitam e sequer almejam posições de liderança.

Cumprem apenas as deman­das que estão em seu contrato de trabalho. Nada além disso. A prioridade deles é inegociável: saúde física e mental.

Definida sociologicamente como o conjun­to das pessoas nascidas entre 1997 e 2010, a Geração Z é, em grande parte, filha da Ge­ração X, que abarca os nascidos entre 1965 e 1980.

E sobram motivos para entender por que tantos aderiram à quiet ambition. Antes de julgá-los, tentemos compreendê-los.

“Eles passaram a infância e a adolescência ouvindo seus pais falarem mal do trabalho, adoece­rem, viverem irritados, em casamentos caóti­cos e com momentos de lazer inexistentes. E, quando se aposentaram, não estavam mais ri­cos nem mais bem-sucedidos, ou mais felizes. Ou seja, todo esse esforço de `se matar de tra­balhar’ foi em vão”, conta a pesquisadora, escritora e palestrante Vania Ferrari, que atua em parceria com Anna Nogueira, am­bas especialistas em Recursos Humanos.

Valores que impulsionam a quiet ambition

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Uma brecha aqui, uma pausa ali, um encontro num café acolá. Aos poucos, a agenda vai ganhando respiros de maneira que a rotina comporte momentos alinhados às buscas pessoais e ao cuidado do que é importante para cada um (FOTOS ISTOCK)

Anna Nogueira, por sua vez, destaca que essa geração nasce com mais consciência social e ambiental. E, justamente por isso, observa­-se que as práticas empresariais de ESG (Go­vernança Ambiental, Social e Corporativa) não foram aplicadas, assim como o aque­cimento global não foi combatido e nem se alcançou a equidade de gênero.

“Com essa mistura de frustração, doenças e eufemis­mos, a Geração Z entendeu que não adianta se dedicar desmedidamente ao trabalho. O bom é viver com simplicidade, menos res­ponsabilidades e mais tempo e saúde para aproveitar a vida”, aponta a especialista.

Adriana Perazzelli, psicanalista e facili­tadora de aprendizagem corporativa, tam­bém acha que a Geração Z foi educada por pais que, em alguma medida, projetaram em seus filhos uma vida menos estressan­te, face à experiência deles.

Soma-se a isso o fato de viverem numa época com mais possibilidades de escolhas. “Estão inseri­dos em um mundo repleto de informações e recursos propícios para olhar todos os pilares da existência, e o trabalho é ape­nas um deles, não o principal. A carreira, nesse caso de quiet ambition, não se sobrepõe à qualidade de vida e às escolhas pessoais.”

As novas métricas do sucesso

Como é de se esperar, a busca por dias mais tranquilos e significativos, em contraposi­ção à consagrada escadaria do êxito, tende a impactar positivamente a saúde mental e emocional dos mais jovens.

Adriana relata que vem conversando com muitos profis­sionais que se enquadram na Geração Z, in­cluindo sua filha, e eles costumam demons­trar consciência de que o futuro é incerto e as oportunidades de trabalho, menores, ao contrário dos desafios, que aumentam.

“Eles estão criando métricas de sucesso alinhadas com o propósito de uma vida mais saudável, bem como espaços dentro de si mesmos para isso, incluindo na rotina atividades de saúde e bem-estar para dar conta do viver e das demandas com mais qualidade”, diz a psicanalista.

O resultado são jovens que se cuidam e percebem am­bientes tóxicos, relacionamentos abusivos e se autorizam a ter interesses particula­res para além das horas dedicadas ao tra­balho.

“Isso ajuda a reduzir o estresse, as crises de ansiedade, distúrbios de humor, evita burnout, entre outros transtornos físicos e mentais”, enfatiza.

Veja você, o equilíbrio entre as áreas pes­soal e profissional, autonomia e liberdade, espaço e tempo para cuidar do corpo e da mente, e a escolha de ambientes de traba­lho com uma cultura organizacional saudá­vel são as novas métricas do sucesso.

Sem dúvida, esse movimento está redefinindo o que entendemos por realizar-se e influen­ciará as gerações que estão vindo aí.

“A Geração Z está inserida em um mundo repleto de informações e recursos propícios para olhar todos os pilares da existência, e o trabalho é um deles, não o principal, como foi até então”

Na quiet ambition, lucro deixa de ser prioridade

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Com os jovens, aprendemos que o trabalho precisa vir acompanhado de propósito, um sentido maior do que o ganho do salário e o status social. Além disso, eles reivindicam flexibilidade para moldar o cotidiano de acordo com seus desejos e interesses (FOTOS ISTOCK)

Todavia, resta saber: como as corporações estão reagindo à quiet ambition? Na opi­nião de Vania Ferrari, autora do Manual de um Gerente à Beira de um Ataque de Nervos (Texto & Texturas), os líderes de RH demo­raram muito para entender o que estava acontecendo.

Ela lembra que solicitações antigas da Geração Z, como jornadas re­duzidas e home office, por exemplo, só fo­ram implantadas por causa da pandemia.

“Ou seja, as demandas por menos pressão e mais qualidade de vida são antigas e ain­da não foram totalmente atendidas. Então, cabe aos profissionais de Desenvolvimento Humano e Organizacional atualizarem suas listas de benefícios. E, principalmente, capacitarem seus líderes para serem pro­fissionais mais inteligentes emocional­mente e tecnicamente”, afirma.

Para Anna Nogueira, esse movimento não é passageiro e demonstra muitos benefí­cios no médio e longo prazo. Em primeiro lugar, obriga as empresas a implementar corretamente as práticas ESG, provando que estão fazendo a diferença na socieda­de.

Daí por diante, conseguirão atrair ta­lentos. E, na demanda por novos colabora­dores, ela enxerga a oportunidade dessas empresas recrutarem pessoas que serão formadas do zero, dentro de uma nova prática comportamental das corporações.

Como? Por meio de programas sólidos de formação acadêmica, técnica e socioemo­cional voltados para a captação de jovens, dentre eles, os de classes periféricas.

Quiet ambition exige novas formas de trabalhar

“Todos nós nascemos para transformar nosso entorno para melhor. E o trabalho é o jeito de fazer isso. Entretanto, o modo atual ficou insustentável, isto é, obter lucro sem oferecer nada em troca para a sociedade e para o planeta.”

“Esses mo­vimentos de desistência são ótimos para fazerem os acionistas sentirem no bolso o resultado de tanta ganância. A gente não tem que mudar a cabeça dessa geração. A gente tem que mudar a cabeça dos em­presários”, defende Anna.

É claro que essa mudança exige não ape­nas que as empresas se adaptem, mas que os colaboradores também façam o mesmo e busquem novas formas de trabalhar e se relacionar.

Adriana Perazzelli aponta que a falta de ambição dentro do modelo corporativo de grande parte das empre­sas gera risco de estagnação, problemas de desempenho, dificuldades de adapta­bilidade e de mudanças, pressão social e fracassos.

“Para minimizar os riscos, o profissional dessa geração precisa apren­der a gerir o tempo, fazer-se presente e estar em constante aprendizado. Também é válido clarear seus objetivos de carreira, buscar empresas alinhadas com seu perfil e até ter mais de uma fonte de renda.”

Segundo ela, o caminho do meio para os jovens da Geração Z encontrarem pro­pósito e significado pessoal, sem terem de abandonar todas as ambições, é trans­formar as próprias escolhas e abrir mão de outras.

“Muitas vezes, a pessoa quer a segurança de uma carreira em grandes corporações, bem como o status, mas não quer abrir mão do seu tempo. Nesses ca­sos, sempre trago a reflexão para cada um saber qual o preço do seu desejo. O quanto quer investir no que considera relevante? Para tanto, onde você poderá exercer sua profissão e ter mais qualidade de vida?”

Por ambientes de trabalho mais saudáveis

É evidente que o movimento quiet ambi­tion está servindo como fonte de apren­dizado para todas as gerações. As mais antigas observam como os membros da Geração Z estão abandonando a busca frenética por reconhecimento e status.

No lugar, a busca é em favor de uma abordagem mais holística e satisfatória para suas carreiras. Ao mesmo tempo, os mais jovens estão absorvendo as experiências e os ensinamentos dos que vieram antes. É ou não é uma auspiciosa calibragem tendo em vista os desafios a que todos nós estamos expostos?

Em minha mente, Albert Camus está fe­liz em não nos ver como competidores em uma corrida sem fim. Mas como seres em franca construção de um ambiente de trabalho mais humano e compassivo. Assim, fora dele, também prevalecerá o que há de bom.

Autonomia e liberdade, espaço e tempo para cuidar do corpo e da mente, e a escolha de ambientes com uma cultura organizacional saudável são as novas métricas do sucesso

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GUSTAVO RANIERI é jornalista e pertence à Geração Y. O autoconhecimento, as práticas meditativas e a terapia o ajudaram a ressignificar o sentido de sucesso e suas fontes de realização.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 268 da Vida Simples

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